TEXTOS LONGOS

Blogue de apoio ao "As Minhas Leituras"

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Utopias, eutopias e distopias


Nada do que é social e humano é mais real que as utopias. Na sua vertente eutópica, as utopias constituíram sempre o fundamento simbólico e mítico sem o qual nenhuma forma de organização social se sustenta, justifica ou sobrevive. E criam, tanto na vertente eutópica como na distópica, o vocabulário da revolução e da mudança: sem os amanhãs que cantam (ou choram) teríamos, em vez de História, um presente intemporal e eterno - como o dos faraós ou o de Francis Fukuyama.
Aldous Huxley publicou o seu Brave New World em 1932. George Orwell, que não tinha em grande conta este livro ou o seu autor, publicou 17 anos depois a sua própria distopia, Nineteen Eighty-Four. Entre estas duas datas interpôs-se a Segunda Grande Guerra: não admira que na primeira a técnica básica da opressão do Estado fosse a manipulação genética e que na segunda, depois do descrédito em que o regime nazi lançou o eugenismo, as técnicas principais da opressão sejam a lavagem ao cérebro, a crueldade gratuita e a manipulação da linguagem.
Apesar desta e de outras diferenças, os dois textos foram muitas vezes lidos, nas décadas seguintes, como os dois pólos - um hedonista, outro o oposto disto - duma mesma distopia, a que os sinais dos tempos davam e dão plausibilidade. Esta distopia bipolar é identificável em grande parte com a ideia de modernidade; e hoje a invocação da modernidade, sempre na boca dos políticos e dos capitães da indústria, soa aos nossos ouvidos tanto a ameaça como a promessa.
Do texto de Aldous Huxley, o que entrou na linguagem corrente, traduzido para todas as línguas, foi o sobretudo o título: "admirável mundo novo". A expressão é utilizada em toda a parte mesmo por quem nunca leu a obra: das mesas dos cafés aos blogues, das crónicas dos jornais aos debates nos media. Do texto de Orwell, toda a gente utiliza, própria ou impropriamente, expressões como Big Brother, newspeak (que até teve, em português, honras de tradução: "novilíngua"), ou ainda doublethink. Uma coisa é certa: nenhuma destas expressões se teria conservado até hoje no uso corrente se não tivesse referentes no real quotidiano.
A mesma sorte não teve 1985, de Anthony Burgess, publicado em 1978. Um texto anterior de Burgess, também ele distópico, é de longe mais conhecido, talvez pela versão filmada que dele fez Stanley Kubrik: A Clockwork Orange. 1985 recupera alguns temas e tropos deste texto e apresenta-se como um balanço crítico de Nineteen Eighty-Four. Divide-se em duas partes: um ensaio sobre o texto de Orwell e a construção duma distopia alternativa, imaginada por Burgess 29 anos mais tarde. A frase final da primeira parte do livro é: 1984 is not going to be like that at all. Frase corajosa, vinda dum escritor que admirava e respeitava o objecto da sua crítica. E é com ela que Burgess nos autoriza a fazermos nós também o balanço crítico da sua alternativa, decorridos mais que outros tantos anos desde a sua publicação.
Vejamos então o que sobreviveu melhor ao curso da história: se Nineteen Eighty-Four aos últimos 60 anos, se 1985 aos últimos trinta e um.
As diferenças entre as duas distopias não surpreendem, sabendo que uma foi escrita por um socialista libertário, pouco à vontade no seu estatuto social de nascença que o colocava nas franjas do poder, e a outra escrita por um conservador a quem o facto de pertencer a uma elite social e intelectual não incomoda minimamente. Na primeira, o opressor é um Estado por assim dizer anti-utilitarista, ou seja: inteiramente dedicado à prossecução do maior mal do maior número. Burgess faz notar, na sua crítica a Orwell, que um Estado assim nunca existiu nem pode existir. Mesmo os regimes que mais se aproximam deste modelo são intrinsecamente instáveis: Calígula acabou assassinado, e o Império nazi, que era para durar mil anos, durou doze. Reconhece Burgess, contudo, que Orwell tem bons modelos para a sua terrível invenção: o franquismo contra o qual lutou, o estalinismo que assassinou na Catalunha os seus camaradas anarco-sindicalistas, ou o nazismo, de cujos horrores se começava a tomar conhecimento quando o livro foi escrito. Bastou a Orwell absolutizar e levar ao extremo do concebível estas realidades históricas, et voilà: aí temos o Ingsoc, abreviatura de English Socialism, ou seja: Socialismo Inglês.
Burgess nota, com a indulgência a que as suas próprias contradições o obrigam, a ironia de um socialista chamar socialismo ao regime mais monstruoso que consegue imaginar; mas não precisa de explicar, e não explica, as razões óbvias desta opção. Nós, habitantes do Século XXI, habituados pela propaganda vigente a equacionar "esquerda" com "estatismo", também podemos ver ironia na escolha deste nome. As razões de Burgess para notar esta ironia são, contudo, um pouco diferentes das nossas. Burgess não era um anti-estatista doutrinário, mas sim um conservador na tradição burkeana, a quem a ideologia anarco-capitalista e revolucionária representada por Margaret Thatcher e Ronald Reagan repugnaria tanto como a qualquer militante da esquerda dita radical. Não acredita que o Estado seja a emanação do Mal, mas exige dele essa coisa fora de moda que é a responsabilidade moral. No capítulo "Clockwork oranges" de "1985", declara os seus pressupostos ético-políticos:
A chemical substance injected into [Alex's] blood induces nausea while he is watching the films, but the nausea is also associated with the music. It was not the intention of his State manipulators to introduce this bonus or malus: it is purely an accident that, from now on, he will automatically react to Mozart or Beethoven as he will to rape or murder. The State has succedeed in its primary aim: to deny Alex free moral choice, which, to the State, means choice of evil. But it has added an unforeseen punishment: the gates of heaven are closed to the boy, since music is a figure of celestial bliss. The State has commited a double sin: it has destroyed a human being, since humanity is defined by moral choice; it has also destroyed an angel.
O Estado aqui descrito não é imoral, como o de Orwell, por opção metafísica da oligarquia que o dirige: é, mais realisticamente, um Estado amoral. Há, e houve, Estados imorais, mas nunca houve nenhum que se definisse exclusivamente pela imoralidade. Burgess tem razão neste ponto. Monstros desta natureza relevam mais de ficções como Harry Potter ou Lord of the Rings do que da realidade política que vivemos. O Mal absoluto, diz Burgess, é tão desinteressado como o Bem; e todas as tiranias estáveis estão ao serviço de interesses.
Não é que não nos sintamos tentados, por vezes, a elaborar fantasias deliciosamente assustadoras sobre os "Senhores do Mal"; mesmo nós, portugueses, cá no nosso cantinho, detectamos um eco distante destas fantasias quando ouvimos um político, um economista ou um empresário deixar no ar a ideia de que tudo o que é impopular é necessariamente justo e acertado e tudo o que beneficia o cidadão comum é injusto e desastroso. Levada inteiramente a sério, esta ideia implicaria uma negação total e radical da democracia; mas somos, tal como Burgess, demasiado sensatos para levar muito a sério ou muito à letra tudo o que diz o poder, e é por isso que não confundimos José Sócrates ou Maria de Lurdes Rodrigues com Voldemort.
Ao contrário de Thatcher e de Reagan, Burgess não via no Estado a única, nem necessariamente a principal, fonte de opressão. O Estado que Burgess denuncia não é o pesadelo de Orwell, que para Burgess não passa disso mesmo: dum pesadelo. Nem é o Moloch burocrático da lenda negra anti-socialista. É, acima de tudo, o Estado de Ivan Petrovitch Pavlov e de Burrhus Frederic Skinner:
The Soviet State wished to remake man and, if one knows Russians, one can sympathize. Pavlov deplored the wild-eyed, sloppy, romantic, indisciplined, inefficient, anarchic texture of the Russian soul, at the same time admiring the cool reasonableness of Anglo-Saxons. Lenine deplored it, too, but it still exists. Faced with the sloth of the waiters in Soviet restaurants (sometimes three hours between taking the order and fulfilling it), the manic depression of Soviet taxi-drivers, the sobs and howls of Soviet drunks, one can sometimes believe that without communism this people could not have survived. But one baulks, with a shudder, at the Leninist proposal to rebuild, with Pavlov's assistance, the entire Russian character, thus making the works of Chekhov and Dostyevsky unintelligible to readers of the far future.
B. F. Skinner foi um behaviourista radical, bem conhecido pelos professores como teórico da Educação cujas teses ainda hoje têm influência política no nosso País e noutros. Mas tem outras facetas menos conhecidas: como filósofo político, produziu em 1948 Walden Two, uma eutopia - ou distopia, conforme o ponto de vista - em que as técnicas de psicologia do comportamento conduzem a uma harmonia social perfeita; como filósofo moral, produziu em 1971 Beyond Freedom and Dignity, título este que não pode deixar de dar calafrios a Burgess - e, creio bem, a muitos de nós. Burgess denuncia o Estado Soviético não tanto por pretender privar o homem da sua liberdade económica como por pretender privá-lo, na esteira de Pavlov e Skinner, da sua liberdade moral.
Mas se o Estado não é a única nem a principal fonte potencial de opressão, então não basta a Burgess denunciar o Estado, como em A Clockwork Orange; é preciso enumerar e denunciar as outras forças potencialmente hostis à liberdade (leia-se: liberdade moral) do ser humano:
There are, indeed, forces always ready to diminish State power, though oppressive enough in their own ways. Multinational companies that can make and break governments but don't give a damn about matters of responsibility to thought, art, sentiment, health, morality, tradition. The manipulators, the true investigators into the power of propaganda, meaning doublethink, subliminal suggestion, rendering us unfree in the realm of what we consume. Trade unions. Minority groups of all kinds, from the women's liberationists to the gay sodomites. And where we expect the State, that takes our money, to protect us from the more harmful of the anarchic forces of the community, there we find the State peculiarly powerless.
Se Burgess soa aqui como um cruzamento anti-natural entre um manifestante anti-globalização e um moralista reaccionário, reflictamos que o texto foi escrito antes de, quer o neoliberalismo, quer o movimento politicamente correcto terem adquirido o estatuto de verdades dificilmente questionáveis.
Na segunda parte de 1985, Burgess já não toma como alvo o Estado de Pavlov e Skinner, mas sim uma das forças que enumera nos capítulos anteriores. O vilão principal de Burgess é, nesta narrativa, o movimento sindical. Não o movimento sindical tal como existiu nos países democráticos ao longo dos séculos XIX e XX, mas aquilo em que ele parecia estar a tornar-se no Reino Unido em 1978: um sindicalismo totalitário que se substitui ao Estado e regula despoticamente todos os aspectos da vida em sociedade. Este retrato do movimento sindical era em parte, mesmo naquele tempo e lugar, pura e mal intencionada propaganda; mas propaganda em que Burgess acreditou. Tal como Orwell se tinha alegrado, trinta anos antes, com a vitória avassaladora do partido Trabalhista nas primeiras eleições que se seguiram à Guerra, é possível que Burgess se tenha alegrado com o triunfo de Margaret Thatcher, no ano seguinte ao da publicação de 1985, com base num programa explicitamente anti-sindical. Se assim foi, esta alegria deve ter durado pouco.
Na novela de Burgess, a personagem principal é um professor de História e línguas clássicas, desafecto a um sistema que não lhe permite ensinar nada que possa ser considerado "elitista". Esta dissidência leva-o primeiro à demissão e à escolha de um trabalho manual (pasteleiro) que não lhe suscita problemas deontológicos, depois à clandestinidade e por fim à prisão perpétua.
Em Nineteen Eighty-Four a personagem principal é um burocrata chamado Winston Smith; o professor que protagoniza 1985 chama-se Bev Jones. A escolha dos nomes não é trivial, como assinala explicitamente Burgess a propósito do nome que escolheu para o protagonista de A Clockwork Orange: Alex, diminutivo de Alexander, ou seja, em grego, "salvador de homens". " Smith" e "Jones" são os sobrenomes mais banais do mundo anglo-saxónico. O nome próprio "Winston" produz, associado a "Smith", um efeito dissonante que se repercute em " Bev Jones. O nome próprio dado à personagem pelo pai pode constituir uma homenagem a uma de três figuras históricas: Ernest Bevin, organizador sindical, dirigente do Partido Trabalhista e Ministro do Trabalho a partir de 1940 no governo de coligação de Winston Churchill; Aneurin Bevan, Ministro da Saúde a seguir à vitória trabalhista de 1945, arquitecto do Serviço Nacional de Saúde, e Ministro do Trabalho a partir de 1951, cargo de que se demitiu em protesto contra a introdução de taxas moderadoras destinadas a financiar a participação britânica na Guerra da Coreia; ou William Beveridge, parlamentar do Partido Liberal cujo relatório, apresentado em 1942, veio a servir de base à instituição do Welfare State no Reino Unido.
Bev Jones é, assim, simultaneamente a continuação e o oposto de Winston Smith, facto que se reflecte nas óbvias diferenças e nas surpreendentes semelhanças entre os dois textos.
Ambas as tiranias descritas são pavlovianas ou skinnerianas: Winston Smith e Bev Jones são ambos "reeducados" a dado passo. Em ambas está presente, como de resto em Fahrenheit 451 de Ray Bradbury, a aversão do intelectual a qualquer poder de facto ou de direito que se dedique à destruição de livros; mas o que imediatamente salta à vista quando lemos os dois textos é o relevo que Orwell e Burgess dão à manipulação da linguagem. Em 1985 proibe-se às escolas que ensinem a norma culta da língua inglesa e impõe-se em vez dela o chamado Worker's English; em Nineteen Eighty-Four o consenso artificial de que a tirania necessita é construído recorrendo ao Newspeak.
Apesar de partirem de princípios ideológico-políticos aparentemente opostos, os dois textos partem de princípios morais muito semelhantes e de concepções muito próximas da liberdade. Para a personagem principal de Orwell, ser livre significa poder acreditar que 2+2=4; para Burgess, ser livre significa ser capaz de escolhas morais.
Hoje, olhando à nossa volta, podemos concluir que o erro e a ingenuidade que Burgess aponta a Orwell podem não ter sido erro nem ingenuidade: o hiperfascismo de Nineteen Eighty-Four pode ser uma figura retórica, uma hipérbole, da qual não se espera que o leitor faça uma interpretação literal, mas tem afloramentos numerosos e óbvios nas sociedades actuais, mesmo nas mais democráticas.
Já o erro de Burgess é mais difícil de levar à conta de retórica. O Alex de A Clockwork Orange reaparece em 1985 sob a forma de um gang juvenil particularmente violento que acolhe e protege Bev Smith em troca de lições de História, Latim e Grego. Faz rir a ideia dum bando de skinheads ou equivalente a interessar-se pela cultura clássica, mas Burgess justifica esta implausibilidade pela irreverência e pela revolta "naturais" na adolescência: se a autoridade proíbe o ensino da História, das línguas clássicas e da língua materna na sua norma culta, então a oposição dos jovens à autoridade levá-los-á a procurar o que lhes é proibido.
Hélas, não foi isto que aconteceu nos últimos trinta anos. É verdade que certas tribos urbanas, como os "góticos" ou os "emos", dão alguns sinais de ter consciência da falta de alguma coisa essencial na herança que nos preparamos para lhes deixar; mas não sabem que coisa é essa, e muito menos lhes passa pela cabeça que possa ter alguma coisa a ver com o ensino da História ou do Latim.
Mais grave ainda: o populismo anti-elitista e anti-intelectual que Burgess temia acima de tudo veio-nos, não pela mão dos sindicatos, mas pela mão daqueles de quem ele esperava protecção. O apelo à rebeldia, ao individualismo, à mudança rápida, à ruptura com o passado, vem-nos hoje, como mostra Thomas Frank em One Market under God, já não da contra-cultura dos anos sessenta, mas sim da publicidade com que as grandes empresas inundam os media. Os bilionários já não são uma elite gananciosa e exploradora: usam jeans, comem hamburgers e são vítimas, como qualquer pessoa vulgar, da perseguição que lhes move uma casta privilegiada, snob, elitista, intelectual e académica que tem a veleidade de "saber mais que os mercados" e não aceita submeter-se a eles com a mesma confiança simples e cega com que um bom muçulmano se submete a Allah.
E assim se restaura a luta de classes: do lado dos oprimidos vemos Bill Gates, de braço dado com o nosso vizinho do lado: se não os une a condição económica, une-os a condição de "homens simples" a fé comum num catecismo (orwelliano que baste) que afirma, entre outras coisas, que a verdadeira prosperidade está em trabalhar cada vez mais por cada vez menos dinheiro e que a verdadeira igualdade é a desigualdade extrema. Do lado dos opressores estão todos os que se atrevem a pôr em dúvida estas verdades sagradas; e em representação destes "privilegiados" surgem, em primeiro plano, os professores e os académicos.

Nota: Durante os longos dias que demorei a escrever este texto, não deixei de acompanhar os textos a todos os títulos notáveis que o Ramiro Marques tem estado a publicar no ProfEducação, nomeadamente a série "Há um plano para imbecilizar as novas gerações" Não é paranóia: há mesmo esse plano. Espero que a leitura ou releitura dos livros que aqui comento ajude a clarificar as estratégias de marketing político que o apoiam.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Rascunho

Texto para publicar, traduzido e comentado, no blogue principal

The facts on DV are simple; among them are these: (1) women are as likely as men to commit domestic violence; (2) women are about twice as likely as men to be injured by domestic violence; (3) women are about twice as likely as men to report being a victim of DV; (4) women are somewhat more likely than men to initiate domestic violence, i.e. they're not just responding to what the man did and (5) the strongest predictor of whether a woman will become a victim in a DV incident is that she started it (moral: ladies, if you don't want to get hit, don't hit).

Over 270 separate studies done by dozens of different researchers since 1975 have concluded exactly those things and many more. As recently as October, 2008, a study of dating violence among students at the University of Florida found that the young women were slightly more likely to have engaged in dating violence than were the young men. In 2007, an 11,000-person study by the Centers for Disease Control again found that,

Almost 24% of all relationships had some violence, and half (49.7%) of those were reciprocally violent. In nonreciprocally violent relationships, women were the perpetrators in more than 70% of the cases. Reciprocity was associated with more frequent violence among women (adjusted odds ratio [AOR]=2.3; 95% confidence interval [CI]=1.9, 2.8), but not men (AOR=1.26; 95% CI=0.9, 1.7). Regarding injury, men were more likely to inflict injury than were women (AOR=1.3; 95% CI=1.1, 1.5), and reciprocal intimate partner violence was associated with greater injury than was nonreciprocal intimate partner violence regardless of the gender of the perpetrator (AOR=4.4; 95% CI=3.6, 5.5).

A meta analysis of data performed in 2004 found that,

a woman’s perpetration of violence was the strongest predictor of her being a victim of partner violence.

sábado, 28 de novembro de 2009

Novo excerto traduzido de J. M. Coetzee

Sobre Tony Blair





A história de Tony Blair podia ter sido tirada inteirinha de Tácito. Um rapazinho como tantos outros da classe média com todas as atitudes correctas (os ricos têm o dever de subsidiar os pobres, as forças armadas devem ser mantidas sob controlo, os direitos civis têm que ser defendidos contra a intrusão do estado) mas sem bases filosóficas e reduzida capacidade de introspecção, e sem outra bússula que não seja a ambição pessoal, embarca na viagem da política, com todas as distorções a que esta sujeita quem a faz, e acaba por se tornar um entusiasta da ganância empresarial e um pau-mandado dos seus senhores em Washington, fingindo lealmente que não vê nada (não ver o mal, não ouvir o mal) enquanto os seus agentes na sombra assassinam, torturam e "desaparecem" pessoas sem quaisquer entraves.

Em privado homens como Blair defendem as suas acções dizendo que os seus críticos (sempre designados como críticos de sofá) se esquecem que neste mundo longe do ideal a política é a arte do possível. E vão mais longe: a política não é para maricas, dizem, entendendo-se por maricas quaisquer pessoas que revelem relutância em comprometer os seus princípios morais. Por natureza a política é incompatível com a verdade, dizem eles, ou pelo menos com a prática de dizer a verdade em todas as circunstâncias. A História há-de dar-lhes razão, concluem - a História com a sua visão de longo prazo.

Tem acontecido pessoas recém-chegadas ao poder jurarem a si próprias praticar uma política de verdade, ou pelo menos uma política que evite a mentira. É possível que Fidel Castro tenha sido em tempos uma destas pessoas. Mas como é breve o tempo até as exigências da vida política tornarem impossível ao homem no poder distinguir a mentira da verdade!

Tal como Bair, Fidel dirá em privado: É muito fácil para os críticos fazer os seus julgamentos idealistas, mas não sabem a que pressões eu estava sujeito. O que estas pessoas aduzem sempre é o chamado princípio da realidade; as críticas que lhes são feitas são sempre utopicas, irrealistas.

O que as pessoas normais se cansam de ouvir aos seus governantes são declarações que nunca são exactamente a verdade: um pouco aquém da verdade, ou então um pouco ao lado da verdade, ou então a verdade com um efeito que a faz sair da trajectória. As pessoas estão ansiosas por alguma coisa que as livre destas ambiguidades incessantes. Daqui a sua fome (uma fome moderada, devemos admitir) de ouvir de modo articulado e inteligível o que outras pessoas capazes de se exprimirem articuladamente e exteriores ao mundo político - académicos, homens de igreja, cientistas ou escritores - pensam sobre os negócios públicos.

Mas como pode esta fome ser saciada por um mero escritor (para falar só de escritores) quando o domínio dos factos ao seu dispor é geralmente incompleto ou incerto, quando até o seu acesso aos chamados factos se faz através dos media integrados no campo de forças da política, e quando, muitas vezes, e devido à sua vocação, está mais interessado no mentiroso e na psicologia da mentira do que na verdade dos factos?

sábado, 31 de outubro de 2009

Uma fracção duma fracção

O modelo de avaliação de professores que proponho na mensagem anterior não é perfeito e não vai ser posto em prática. Eu próprio, ao relê-lo, encontro nele ingenuidades e incoerências. Não tenciono corrigi-las - quod scripsi scripsi - porque não afectam o documento nos seu propósitos essenciais, que são criar, por um lado, uma base de discussão do modelo actual e das alternativas possíveis e, por outro, um ponto de partida para outro debate que transcenda a questão do modelo de avaliação e do ECD.

Pela mesma razão não tenciono responder às críticas que me foram feitas, apesar da consideração que me merecem os seus autores e do mérito que reconheço a muitas delas.

Suponhamos, então, que o meu modelo era perfeito e que era aplicado. Ou que se descobria e aplicava um outro que fosse perfeito. Resultaria daqui uma melhoria evidente e imediata na qualidade dos professores?

Nem por sombras. Um bom modelo de avaliação é condição necessária para que tenhamos melhores professores, mas está longe, muito longe, de ser condição suficiente. Uma melhoria significativa da qualidade dos professores implicaria, logo na fase de recrutamento, que se fosse buscar às universidades os melhores graduados - competindo as escolas, para tal, com outras carreiras e com outras opções de vida, incluindo a emigração que nos está a privar, dia a dia, dos nossos jovens mais qualificados. A carreira docente precisaria, para atrair estes jovens, de ser muito mais atraente do que é hoje - quer em termos de remuneração, quer de estabilidade, quer de probabilidades de progressão, quer em prerrogativas - e destaco, de entre estas, a que mais afronta a tradicional inveja e o tradicional anti-intelectualismo dos portugueses: tempo livre para reflectir, estudar e adquirir o ascendente cultural que, mais do que qualquer outra coisa, confere autoridade aos professores. É esta, de resto, a moeda utilizada em todo o mundo, à falta de dinheiro, para pagar aos professores.

Se a carreira docente não for suficientemente aliciante para atrair os jovens mais qualificados, então qualquer modelo de avaliação, mesmo que perfeito, acabará por escolher apenas os melhores de entre os piores.

Mas a melhoria da qualidade dos professores não depende só da conjugação de um bom sistema de avaliação com um bom sistema de recrutamento. Há outros factores, tais como a qualidade da formação (quer inicial, quer contínua), a satisfação no trabalho (que implica a noção, tantas vezes ausente do trabalho dos professores, de que o que se está a fazer é útil e produtivo), o empowerment, o reconhecimento social, etc. Uma melhoria significativa da qualidade dos professores não é fácil de conseguir e não será já para amanhã.

Admitamos, porém, como hipótese, que conseguimos dotar o sistema de ensino de professores significativamente melhores que os actuais. Resultará isto numa melhoria correspondente nas aprendizagens?

Para responder a esta pergunta basta fazer o thought experiment proposto, salvo erro, pelo Ramiro Marques (se ele me estiver a ler, peço-lhe que me forneça o link para incluir aqui): trocar os alunos da melhor escola do ranking pelos da pior e ver os resultados ao fim de um ano lectivo. Concluiremos imediatamente que para a boa aprendizagem concorrem decisivamente a atitude que os alunos trazem para a escola, a acção ou inacção dos pais, as condicionantes socioculturais, etc. Uma política que vise melhores aprendizagens terá que actuar sobre todos estes factores e não apenas sobre a qualidade dos docentes.

Temos então que a avaliação dos professores, mesmo que perfeita, só parcialmente contribui para a sua qualidade; e que a qualidade dos professores, mesmo que excelente, só parcialmente contribui para a melhoria das aprendizagens. Mesmo que perfeita, a avaliação será sempre uma fracção duma fracção. Sendo imperfeita, é uma fracção menor.

Anuncia-se para breve um novo modelo de avaliação dos professores. Não espero dele que seja perfeito, até porque resultará inevitavelmente de um compromisso entre ideologias e agendas políticas diversas; mas espero que seja ao menos adequado, isto é: que contribua, ainda que imperfeitamente, para a melhoria dos professores enquanto profissionais (a sua melhoria enquanto funcionários interessa-me pouco); que distinga realmente, mesmo que apenas com a exactidão possível, os melhores professores dos piores; que, ao contrário do actual, premeie os melhores; que não dê azo a demasiadas injustiças, e que aquelas a que der azo não sejam gritantes. Para que um modelo de avaliação seja adequado exige-se, no mínimo, que não seja contraproducente.

Anuncia-se, também, um novo Estatuto da Carreira Docente. Também não espero dele que seja muito mais do que adequado; mas para ser adequado terá que premiar, em vez de punir como o actual, a opção dos jovens mais qualificados pela condição de professor.

O debate não terminará aqui, porque o modelo de avaliação e o estatuto, não sendo perfeitos mas apenas adequados, continuarão naturalmente a despertar contestações legítimas e exigências de aperfeiçoamento. Mas se modelo e estatuto forem suficientemente bons, deixarão o centro do debate e passarão para as suas margens, de onde nunca deviam ter saído.

E nesta altura não teremos chegado ao fim: teremos chegado ao princípio dum debate, este, sim, urgente: como melhorar o ensino (repito, o ensino) em Portugal? E aquando deste debate, não nos contentaremos com o meramente adequado: exigiremos o melhor. Não seremos modestos no pedir. Não queremos um ensino ao nível da média europeia: exigiremos um ensino ao nível dos melhores do Mundo.
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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Por uma avaliação de professores sem derivas neotayloristas

I

Princípios gerais

1. A Escola Republicana é uma instituição da Sociedade Civil e tem por função transmitir entre gerações o património científico, cultural, artístico e técnico adquirido pela sociedade e pela humanidade em geral. Deste modo, a conservação e a inovação são os dois pólos do seu ethos, que se realizará, quer na conservação e continuação do património adquirido, quer na sua contestação crítica.

2. O conhecimento (saber e saber fazer) e a sua transmissão entre gerações constituem a prioridade da escola e a sua razão de ser. No âmbito do conhecimento, o conhecimento contextualizante e estruturante tem prioridade sobre o conhecimento de utilidade imediata, que é efémero e se torna rapidamente inútil.

3. A função de educar compete em primeiro lugar à família e subsidiariamente à sociedade em geral, não devendo ser assumida pela escola a não ser na medida em que esta educa ensinando. Ao arrogar-se o direito de intervir sobre todos os aspectos da pessoa do aluno e sobre todas as esferas da sua vida, a escola substitui-se às famílias e ao tecido social e usurpa uma autoridade que não lhe cabe legitimamente, tornando-se assim uma instância totalitária.

4. O professor tem por função ensinar. Quaisquer outras funções que assuma ou lhe sejam atribuídas serão subsidiárias desta e orientadas para ela.

5. A avaliação dos professores deve incidir na proficiência com que exercem as funções que lhes são próprias. A proficiência em funções ou tarefas subsidiárias é presumida a partir do resultado da avaliação naquelas, e, se tiver que ser sujeita a procedimentos avaliativos específicos, sê-lo-á a título supletivo e residual.

6. O professor é um trabalhador assalariado, obrigado a uma prestação definida e limitada em troca de um salário também ele definido e limitado.

7. O professor é também um profissional, obrigado a uma deontologia historicamente definida e legitimada. A deontologia docente tem como valores centrais o conhecimento, a racionalidade, o pensamento crítico e a conformidade do ensinado com o real. Enquanto avaliador de alunos, é direito e dever do professor fazer prevalecer critérios de racionalidade e de validade científica sobre quaisquer outros critérios de avaliação que lhe sejam determinados por via hierárquica.

8. A condição profissional do professor prevalece, para efeitos disciplinares e de avaliação, sobre a sua condição de assalariado.

9. A progressão na carreira depende por um lado da avaliação do professor e por outro da sua experiência profissional, estando as duas vertentes integradas entre si segundo uma fórmula simples, clara, racional e unívoca. É além disso subsidiária da avaliação prévia da escola.

10. Só um cidadão pode formar cidadãos. O direito-dever de o professor ser avaliado articula-se com o seu direito-dever de avaliar a escola e as políticas educativas que lhe cabe executar, sem prejuízo da legitimidade dos órgãos de soberania para terem a última palavra em relação a estas.

11. A avaliação é um instrumento de determinação do mérito no âmbito duma relação legal ou contratual definida pela sua natureza e pelos seus limites, e não tem que considerar comportamentos exteriores ou suplementares a este âmbito. Este princípio decorre do facto de o trabalhador ser uma pessoa soberana em relação a si própria, não podendo o seu tempo de vida ser tratado como propriedade do empregador. Consequentemente, a avaliação, tal como a definição de objectivos, não pode ser instrumento de um qualquer neo-taylorismo, nem utilizada para defraudar, subverter ou contornar direitos definidos por lei ou por contrato*.

12. Nenhum parâmetro da avaliação, nem nenhum nível de classificação, premiará ou pressuporá a prestação de trabalho não pago, penalizará a sua não prestação ou exigirá, explicita ou implicitamente, a execução de tarefas irrelevantes para a função de ensinar, que será tida em todas as circunstâncias como prioritária.

Assim:

13. A atribuição das classificações mais elevadas não deve pressupor ou implicar a renúncia, por parte do professor, ao exercício dos seus direitos laborais e humanos, nomeadamente os que dizem respeito à duração do trabalho, ainda que esta renúncia possa ser representada como voluntária.

14. Nenhuma avaliação pode ser absolutamente objectiva; sendo forçoso assumir uma vertente subjectiva, deve proceder-se de modo a que em caso algum o avaliado fique dependente da subjectividade de uma só pessoa ou de um conjunto reduzido de pessoas. O número e a variedade dos participantes nesta vertente do processo deve ser tal que os erros resultantes da avaliação subjectiva de cada interveniente sejam compensados e corrigidos pelo acerto, ou pelos erros em sentido contrário, dos restantes.

15. A reputação profissional do professor será tida na conta de uma mais-valia para ele e para a escola. A componente subjectiva da avaliação permite minorar discrepâncias entre os seus resultados e a reputação profissional do avaliado, que, a verificarem-se seriam sentidas como injustas pela comunidade escolar, comprometendo a idoneidade de todo o processo. A componente subjectiva permite, por acréscimo, ter em conta aspectos cruciais, mas não mensuráveis, do desempenho do professor.


II

Dos processos de avaliação

16. Os professores serão sujeitos a processos de avaliação ordinária interna, de avaliação extraordinária obrigatória e, a seu pedido, de avaliação extraordinária externa.

A. Do processo de avaliação ordinária

17. A avaliação ordinária terá lugar no fim de cada ano lectivo.

18. O processo será informal e expedito e terá duas componentes: uma, subjectiva com um peso de 40% na classificação e outra, objectiva, com um peso de 60%.

A.1. Da vertente subjectiva da avaliação ordinária


19. Quanto à vertente subjectiva, a avaliação ordinária terá os seguintes intervenientes:

a) os alunos do professor avaliado;
b) os pais, encarregados de educação e outros interessados, se for caso disso e comprovarem um interesse directo e legítimo, nos termos que adiante se explicitam, no resultado dessa avaliação;
c) os professores do mesmo grupo ou área disciplinar;
d) os órgãos de direcção estratégica, executiva e pedagógica da escola;
e) um membro indigitado pelo professor avaliado, podendo ser um professor da mesma área ou de outra, da mesma escola ou de outra, ou um representante legal devidamente constituído.

A.1.1. Da participação dos alunos

20. A participação dos alunos realizar-se-á mediante a resposta a um inquérito no qual procederão à seriação dos seus professores segundo cada um de vários critérios que lhes serão dados e explicados.

21. Os formulários não deverão ser uniformes para toda a escola. Pode ser elaborado um formulário para cada ciclo, para cada ano ou para cada turma. Na mesma turma, porém, não serão utilizados formulários diferentes.

22. Os formulários estarão redigidos em português correcto, claro, exacto e adequado à idade dos alunos. Tirar-se-á partido, sempre que possível, da terminologia habitualmente utilizada pelos alunos no que respeita a vida na escola.

23. Os critérios submetidos à apreciação dos alunos serão decididos pelo Conselho Pedagógico. Entre estes critérios contar-se-ão, obrigatoriamente, os seguintes:

a) se o professor "explica bem";
b) se o professor procura manter um nível de disciplina adequado ao bom funcionamento das aulas;
c) se o professor "é justo" nas avaliações;
d) se os alunos saem habitualmente das aulas com a sensação de saberem mais do que sabiam à entrada.

24. Nenhum formulário ultrapassará, em extensão, o limite do que pode ser contido numa página de formato A4.

25. Os formulários serão preenchidos anonimamente e não serão manuseados pelos professores da turma.

26. Os professores ou funcionários intervenientes neste processo ficarão sujeitos, caso tenham conhecimento fortuito da identidade de algum dos alunos envolvidos, ao dever de segredo.

A.1.2. Da participação dos encarregados de educação e outros interessados

27. A participação deste grupo será indirecta, e realizar-se-á através da sua intervenção no Conselho de Escola e/ou das reclamações, queixas, sugestões, elogios ou críticas que tenham formalizado por escrito e feito chegar aos órgãos directivos.

A.1.3. Da participação do avaliado

28. O avaliado elabora, no fim do ano lectivo, um documento em que refere a classificação que entende merecer, numa escala de zero a 20, e as razões por que assim entende. Este documento não poderá exceder em extensão o conteúdo de duas páginas de formato A4.

A.1.4. Da participação dos professores do mesmo grupo ou área disciplinar

29. No final de cada ano lectivo, os professores de cada grupo, disciplina ou área disciplinar reunirão se seriarem mutuamente mediante o preenchimento de um formulário anónimo.

30. Cada professor incluirá o seu próprio nome nesta seriação.

31. Os professores serão livres de definir em conjunto o critério ou critérios a ter em conta nesta seriação. A elaboração e impressão do formulário resultante dos critérios definidos serão efectuadas na sequência de uma reunião anterior ou num intervalo da reunião de seriação.

32. Os formulários preenchidos serão introduzidos num invólucro que será selado e entregue ao membro da direcção da escola a quem tenha sido conferida a autoridade para supervisionar todo o processo.

A.1.5. Da participação dos membros dos órgãos directivos

33. Os membros dos órgãos directivos integrarão júris com a seguinte composição:

a) director, subdirector, presidente ou vice-presidente do Conselho Executivo, ou ainda, por delegação, qualquer assessor do órgão executivo;

b) presidente ou vice-presidente do Conselho Geral ou Assembleia de Escola ou, por delegação, qualquer membro deste órgão que não represente os alunos;

c) presidente ou vice-presidente do Conselho Pedagógico ou, por delegação, qualquer outro membro deste órgão;

d) representante do professor avaliado.

34. Cada júri será presidido pelo membro do Conselho Geral que o integra, que terá voto de qualidade em caso de empate.

35. Nos casos em que vários professores tenham indigitado o mesmo representante, o júri poderá avaliá-los numa só sessão.

36. A primeira sessão do dia será convocada com marcação de lugar, dia e hora; as sessões subsequentes serão convocadas com marcação de lugar e dia, mas a hora po0derá ser definida por referência ao término da sessão anterior.

37. Estarão presentes em cada sessão os seguintes documentos:

a) os formulários de seriação preenchidos pelos alunos e as respectivas transcrições impressas;

b) os formulários de seriação preenchidos pelos professores e as respectivas transcrições impressas;

c) os originais de todas as reclamações, queixas, sugestões, elogios os críticas feitos por partes interessadas exteriores à escola e respeitantes aos professores em avaliação acompanhados de transcrições de onde tenham sido retirado tudo o que permita conhecer a identidade dos autores;

d) os documentos de auto-avaliação;

e) quaisquer outros documentos considerados pertinentes pelos membros do júri.

38. Cada sessão terá início com a autenticação, por comparação com os originais, de todas as transcrições. Cada transcrição será marcada com um número suposto que corresponderá ao do original e subscrita por todos os membros do júri.

39. O júri procederá então à avaliação dos professores, tendo em conta os elementos presentes mas decidindo segundo o seu próprio critério, que ficará registado em acta, e segundo os normativos pertinentes.

40. Os resultados das avaliações serão expressos em classificações numéricas de zero a vinte.

41. Cada classificação será atribuída, de preferência, por consenso ou unanimidade, ficando neste caso em acta uma explicação muito concisa das razões que levaram à decisão.

42. No caso de não ser possível obter consenso ou unanimidade, será nomeado, para cada posição em confronto, um relator ad hoc que dará conta das razões aduzidas. A posição que tiver obtido vencimento também será objecto de relatório justificativo.

43. No fim da sessão, serão arquivados os documentos originais dos quais exista transcrição autenticada, ficando os restantes, bem como as transcrições, apensos à acta.

44. Das classificações será dado conhecimento individual a cada avaliado, não havendo lugar à sua divulgação a não ser por iniciativa deste.

45. O avaliado pode requerer certidão da acta que lhe diz respeito. Na certidão que lhe será facultada, os nomes dos outros professores avaliados serão substituídos por nomes supostos, mas o professor deverá poder verificar se houve concordância entre os critérios por que foi avaliado e os critérios por que foram avaliados os outros professores.

46. Desta classificação haverá recurso para a DRE, que verificará se o processo foi correctamente conduzido, caso em que indeferirá liminarmente o recurso. Caso tenha havido incorrecções, a DRE fará reunir em segunda convocatória o júri em causa, acrescido de um árbitro nomeado para o efeito, que presidirá mas só terá direito a voto em caso de ser necessário um desempate.

47. Da decisão deste júri não caberá recurso.

A.2. Da componente objectiva da avaliação ordinária

48. Esta componente consistirá na sujeição do avaliado ao mesmo exame nacional a que serão sujeitos os alunos do 12º Ano numa das seguintes disciplinas, à sua escolha:

a) Português

b) Matemática

c) Física e Química

d) Inglês

e) Geografia

f) Filosofia (se for reposta)

49. O professor não pode escolher mais que dois anos lectivos seguidos prestar provas numa disciplina que não seja Português ou Matemática.

A.3. Classificação final na avaliação ordinária

50. A classificação final na avaliação ordinária será calculada segundo a fórmula (4j+6e)/10=C, em que" j" representa a classificação de júri, "e" representa a classificação de exame e "C" representa a classificação final.

A.4. Consequências de uma classificação final inferior a 10 na avaliação ordinária

51. O ano em que o professor tenha obtido uma classificação inferior a 10 na avaliação ordinária não contará para a progressão na carreira.

52. O presidente do Conselho Pedagógico ou, por delegação, outro membro deste órgão, assessorado por dois professores escolhidos por si e pelo professor em causa, identificará a deficiência ou deficiências na formação e/ou no desempenho que estiverem na origem do mau resultado obtido e definirá um plano de remediação e melhoria que poderá incluir observação de aulas, frequência de cursos ou acções, terapia de comportamento, ou quaisquer outras estratégias que lhe pareçam exequíveis e eficazes.

54. Este plano terá o período de execução tido por adequado pelos seus proponentes. Durante este período, o professor não poderá concorrer às vagas no escalão acima daquele em que se encontra.

53. O órgão de gestão executiva ratificará este plano e nomeará um professor supervisor que, uma vez dotado dos meios necessários, terá a seu cargo garantir e acompanhar a sua execução. O professor supervisor receberá por este trabalho remuneração adequada e/ou dispensa suficiente de outros serviços.

54. Poderá ainda o órgão de gestão executiva recorrer para este efeito, como complemento ou como alternativa, aos serviços de entidades exteriores à escola.

55. Se os custos financeiros do plano de recuperação forem demasiado onerosos para a escola, poderá ser exigida ao professor em causa uma comparticipação, que não excederá o menor destes dois valores:

a) 30% do vencimento líquido do professor durante o período de execução;

b) 75% do custo total do plano.

56. No fim do período de execução do plano, o professor será sujeito a uma avaliação extraordinária obrigatória.

57. Esta avaliação extraordinária pode ser antecipada a pedido do interessado.

B. Do processo de avaliação extraordinária obrigatória

58. A avaliação extraordinária obrigatória decorrerá nos termos da avaliação ordinária, com as seguintes modificações:

a) ao júri de avaliação será acrescentado o professor supervisor do plano de remediação e melhoria, que dará conta dos resultados obtidos e intervirá na votação.

b) o professor supervisor atribuirá uma classificação, que contribuirá para o cálculo da classificação final segundo esta fórmula: (3r+4e+3j)/10=C, em que "r" representa a classificação atribuída pelo professor supervisor, "e" a classificação de exame, "j" a classificação atribuída pelo júri e "C" a classificação final da avaliação extraordinária obrigatória.

59. Da primeira vez que um professor tenha classificação inferior a 10 na avaliação extraordinária obrigatória, regredirá de escalão.

60. Da segunda vez que o professor tenha classificação inferior a 10 nesta avaliação, será demitido das funções de professor e colocado nas listas de disponibilidade da Função Pública.

C. Do processo de avaliação extraordinária a pedido

61. Esta avaliação pode ser requerida a qualquer momento por qualquer professor a fim de concorrer às vagas existentes no escalão imediatamente superior àquele em que se encontra.

62. Serão elementos desta avaliação:

a) a média das classificações obtidas em sede de avaliação ordinária durante toda a carreira do professor até ao ano anterior;

b) a classificação num exame sobre a matéria que lecciona, constituído por prova escrita e prova oral pública;

c) a classificação obtida num exame sobre a didáctica da disciplina que lecciona, constituído por prova escrita e prova oral pública;

d) a classificação obtida na defesa pública de um trabalho original sobre política educativa, com extensão não superior ao conteúdo de 20 páginas de formato A4, em que se identifiquem problemas sistémicos e se proponham soluções fundamentadas. Entre os critérios de avaliação deste trabalho contar-se-ão o rigor científico, o carácter inovador, a capacidade crítica e a originalidade.

e) a classificação obtida na sequência da observação de três aulas por especialistas da Inspecção Geral da Educação.

63. A realização dos dois exames referidos e a apreciação do trabalho escrito competirão a uma ou mais entidades idóneas exteriores à escola ou agrupamento, que serão designadas pela DRE. No caso de uma entidade avaliadora ter a seu cargo mais que um elemento de avaliação, constituirá júris diferentes para cada exame e para a apreciação do trabalho escrito.

64. Uma entidade avaliadora pode ser recusada pelo avaliado com fundamento em divergências teóricas entre os consensos nela vigentes e as suas próprias opiniões publicadas.

65. Perante a recusa pelo avaliando de uma entidade avaliadora, competirá à DRE verificar se as divergências teóricas alegadas são susceptíveis de dar lugar a um enviesamento na avaliação. Desta verificação resultará a manutenção da entidade avaliadora anteriormente designada ou a designação de outra.

66. O cálculo da classificação final da avaliação a pedido competirá a um júri constituído no âmbito da escola, que aplicará a seguinte fórmula: (30a+20b+15c+15d+20e)/100=C, em que "a" representará a média das classificações ordinárias anteriores, "b" a classificação obtida no exame sobre a matéria leccionada, "c" a classificação obtida no exame em didáctica, "d" a classificação atribuída na defesa do trabalho escrito, "e" a classificação atribuída às aulas observadas e "C" a classificação final.

66. Desta classificação não caberá recurso, a não ser fundamentado em erro de cálculo da classificação final. Este recurso será dirigido à direcção da escola e objecto de decisão expedita.

67. No ano lectivo em que o professor seja submetido a avaliação extraordinária a pedido, ficará dispensado da avaliação ordinária.

68. A classificação final da avaliação extraordinária a pedido manter-se-á válida, para efeitos de preenchimento de vagas no escalão imediatamente superior, pelo período de 3 anos.

69. Entre dois pedidos de avaliação extraordinária terão que decorrer pelo menos dois anos.

III

Da progressão na carreira

70. O professor progredirá na carreira por antiguidade e por mérito.

A. Da progressão por antiguidade

71. Atingido um determinado tempo de permanência num escalão, o professor progredirá automaticamente ao escalão seguinte, não contando para este efeito os anos lectivos em que tenha obtido classificação inferior a dez valores na avaliação ordinária.

72. O número de escalões e a sua duração serão calculados de modo a que seja impossível chegar, apenas por antiguidade, a um escalão situado acima do ponto médio da escala.

73. O professor poderá receber tempo de bonificação para efeitos de progressão pelo exercício de cargos na escola ou pela obtenção de graus académicos profissionalmente relevantes. Para este efeito, será especialmente valorizado o cargo de Director de Turma, pelo contacto directo que implica com os alunos e as suas famílias e pela sua incidência nas relações entre a escola e a comunidade.

B. Da progressão por mérito

74. O professor progredirá por mérito concorrendo a vagas abertas no escalão imediatamente superior ao que ocupa.

75. Não haverá tempo mínimo de permanência num escalão para que o professor possa concorrer a uma vaga aberta no seguinte.

76. O professor poderá concorrer a vagas na sua escola ou agrupamento e também a vagas noutras escolas ou agrupamentos, ordenando-as por ordem de preferência.

77. A colocação será efectuada escola a escola e disciplina a disciplina por ordem de classificações e preferências.

IV

Da abertura de vagas

78. O Ministério determina periodicamente o número de vagas a abrir a nível nacional para cada escalão.

79. O número de vagas a abrir é calculado de modo a que os professores tendam a distribuir-se pelos escalões segundo uma curva de Gauss, com o maior peso nos escalões intermédios e o menor nos mais altos e nos mais baixos.

80. As vagas abertas são distribuídas pelas escolas segundo os resultados da avaliação a que foram sujeitas.

81. Cabe à escola ou agrupamento distribuir pelas diferentes disciplinas, de acordo com as suas necessidades, as vagas de que dispõe para cada escalão.

82. Os professores concorrem segundo a sua classificação na avaliação extraordinária a pedido, não contando para este efeito a classificação obtida na avaliação ordinária nem na avaliação extraordinária obrigatória.

83. Cada escola ou agrupamento põe a concurso as vagas de que dispõe para cada escalão e disciplina, ordena os candidatos segundo a sua classificação e coloca-os segundo essa ordem.

V

Da avaliação das escolas para efeitos de atribuição de vagas

84. As escolas serão avaliadas segundo os seguintes critérios:

a) condicionalismos socioeconómicos e dificuldades deles resultantes, com um peso de 60%;

b) redução do abandono escolar, com um peso de 20%;

c) diferença entre a média de resultados obtidos pelos alunos no início de cada ciclo e a dos resultados obtidos no fim, com um peso de 20%.





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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

50 medidas

O Delito de Opinião enumera 50 medidas do programa do BE que considera emblemáticas. Não as vou comentar todas: deixo de fora as que me parecem inócuas ou demasiadamente específicas para um programa de governo, comentando apenas as que me merecem concordância ou discordância.
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1. Criação de um complemento social nas pensões mínimas.

Uma pensão é um direito que se ganha trabalhando e descontando. Tanto direito tem a ela um milionário como um pobre. Já o complemento social é um mecanismo de solidariedade e de redistribuição, pelo que só deve ter direito a ele quem realmente precisa. Feita esta ressalva, concordo com a proposta, que pode ser financiada, tal como a seguinte, através dum imposto sobre as grandes fortunas idêntico ao que existe em cada vez mais países europeus.

2. Extensão dos critérios de atribuição do rendimento social de inserção.

Concordo, mas também concordo com a preocupação expressa no outro extremo do espectro político quanto às fraudes e abusos. Haveria lugar nesta matéria a um trade-off político?

4. Rescisão dos contratos de parcerias publico-privadas na gestão de unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.

Claro que sim. A separação entre Estado e empresas é hoje tão vital para a democracia como há duzentos anos a separação entre Estado e Igreja.

7. Legalização da morte assistida.

De acordo. Cada um deve dispor de si próprio.

9. Legalização das drogas leves.

E das duras também. Por uma questão de princípio: o Estado não tem o direito de criminalizar comportamentos privados; e por uma questão de utilidade: a crimininalização falhou em toda a parte e em toda a linha, criando males muito piores do que os que pretendia eliminar.

10. Integração da medicina dentária no SNS.

Desde que com limites... Não quero ninguém a branquear os dentes à minha custa.

11. Educação sexual efectiva nas escolas, como direito fundamental.

Há tragédias que se devem à ignorância das pessoas em matéria sexual. Esta ignorância deve, portanto, ser combatida. Mas não vamos cair na armadilha de rejeitar a moral judaico-cristã para pôr no seu lugar uma moral politicamente correcta: seria saltar da frigideira para cair no lume.

12. Limitação do número de alunos por turma (máximo de 20 para o primeiro ciclo, 22 para os demais).

Outro trade-off: está muito bem desde que se criem turmas de nível, ainda mais pequenas, para os alunos com maiores dificuldades. Duvido que esta contrapartida agrade muito ao BE.

14. Recusa da deslocalização de empresas com resultados positivos.

Melhor seria penalizar, por via fiscal, a comercialização de bens ou serviços produzidos em Portugal ou no estrangeiro por empresas delinquentes. Mas isto seria matéria para umas eleições europeias, não para eleições nacionais.

15. Proibição de despedimentos colectivos em empresas com resultados positivos.

Outro incentivo à fraude contabilística? É melhor não irmos por aí.

16. Revogação do Código do Trabalho e da sua regulamentação.

Lógico e exequível. A relação de forças entre empregadores e empregados está grotescamente desequilibrada a favor dos primeiros. O aumento da produtividade não resulta em qualquer vantagem para os trabalhadores se estes não tiverem condições políticas para a impor. Pelo contrário, o aumento do custo do trabalho é que obriga as empresas a serem mais produtivas.

19. Criação de um imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas.

Outra banalidade que só em Portugal é vista como um bicho de sete cabeças. Deste imposto depende a viabilidade de muitas das outras propostas. Inteiramente de acordo.

20. Direito à reforma sem penalização a quem já cumpriu 40 anos de trabalho e descontos.

Em vez disto: direito à reforma em qualquer idade e com qualquer carreira contributiva. Cálculo do montante da pensão tendo em conta estes factores. Possibilidade de acumular pensão com pensão e pensão com salário, de forma que um reformado com uma carreira contributiva de quarenta anos recebesse algo mais que outro com dez carreiras contributivas de quatro anos (já que este beneficiou de várias antecipações).

21. Constituição de uma Bolsa de Arrendamento, incluindo todas as casas desocupadas que tiveram intervenção pública.

Claro: onde o Estado investiu, os cidadãos devem beneficiar. Ao receber subsídio do Estado, o proprietário está a dividir com os outros contribuintes o seu direito de propriedade.

22. Redução do IVA.

Para bens e serviços produzidos ou comercializados por empresas socialmente responsáveis. Para as outras, aumento drástico.

23. Tributação dos pagamentos em espécie (incluindo usufruto de viaturas de serviço e uso livre de telemóveis).

Acabar com o truque do pagamento em espécie para fugir aos impostos. Acho bem. Nesta matéria, o CDS não tem razão nenhuma.

24. Reforço dos quadros do Ministério Público e da Polícia Judiciária para combater o crime.

Em alternativa, abolição de todos os crimes sem vítima constantes do Código Penal. Alocação dos recursos actuais ao combate dos crimes com vítima. Fim da indústria do combate à droga.

26. Levantamento do segredo bancário para efeitos de verificação das declarações dos contribuintes e do combate à evasão fiscal.

E mais: publicação anual, a exemplo do que se faz na Suécia, duma lista universal de contribuintes de que conste o rendimento declarado e o imposto pago.

27. Fim do off shore da Madeira.

Obviamente.

28. Substituição até 2011 de todas as lâmpadas incandescentes.

Não é preciso. Bruxelas já se está a encarregar disso.

31. Fim do regime dos Projectos de Interesse Nacional.

Só servem para facilitar a corrupção. Foram criados, de resto, com este objectivo. Fora com eles.

32. Cancelamento da construção das barragens do rio Sabor, Tua e Fridão.

Discordo. A independência em relação aos combustíveis fósseis deve ser uma prioridade nacional.

33. Rejeição da privatização das Águas de Portugal.

Não deve haver monopólios privados, ponto final.

39. Consagração de 1% do Orçamento de Estado à cultura.

Pode muito bem ser que a cultura seja a indústria do futuro. Concordo.

43. Franquear a cidadania eleitoral aos cidadãos estrangeiros a viver há mais de três anos em Portugal.

As pessoas devem votar nos países em que vivem, que são aqueles a cujas leis estão sujeitos, e não naqueles de que são naturais.

44. Alargar a cidadania eleitoral aos cidadãos a partir de 16 anos.

Desde que tenham cumprido com aproveitamento (e não apenas com "sucesso") a escolaridade obrigatória.

45. Alargamento do casamento civil a todos os cidadãos e todas as cidadãs.

Discordo. Proponho em alternativa a abolição do casamento civil.

46. Alargamento da possibilidade de adopção e acolhimento de crianças por parte de todos os cidadãos e cidadãs, sem exclusões com base na orientação sexual.

Concordo.

49. Saída de Portugal da NATO.

Não é nada de impensável. Nas próprias cúpulas da NATO se põe hoje em questão a actualidade da aliança.

50. Pôr termo à cedência da base das Lajes aos Estados Unidos.

Discordo. A Líbia está aqui ao pé e tem mais poder militar que nós.

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